Temos
assistido recentemente à proliferação de cada vez mais manifestações, onde
grupos de pessoas entoam o nosso tão português “ Grândola Vila Morena”. Gosto
quando as classificam como “perigosas”, porque o são, no seu sentido mais
literal.
Ligamos a televisão
à hora do telejornal e observamos guerras e violência em determinados países.
Ocorre-me agora o caso da Grécia. As faces descontroladas da população lutando
contra o governo, contra as medidas de austeridade e apelando aos seus
direitos. Invadiram lojas, supermercados, roubaram, destruíram... Enfim.
Observámos um episódio do género em Portugal, há relativamente pouco tempo, em
frente à Assembleia da República, onde foram atiradas pedras da calçada à força
policial. O povo português ficou chocado. Uns reprimiam por completo esta ação
dos manifestantes, outros compreendiam o desespero, mas igualmente criticavam a
violência utilizada. Somos um povo reconhecedor do direito ao manifesto, mas
(quase) todos os Portugueses têm uma qualidade que nos distingue de todos os
outros povos: falamos alto, reclamamos por tudo e por nada, mas somos muito
sensíveis à violência. Repudiamo-la e indignamo-nos com ela. Prova disso foi a
sensibilidade criada acerca do caso de uma jovem que abraçou o polícia numa das
manifestações ocorridas também recentemente. Esta nossa qualidade talvez tenha
nascido há quase 39 anos atrás, quando passou na rádio “Grândola Vila Morena”.
É fácil
dispersar um aglomerado populacional que destrói uma cidade. É fácil deitar
abaixo cartazes com palavras revolucionárias. É fácil calar vozes insultuosas.
Tudo isso é fácil. O difícil é calar um povo unido, que entoa uma das canções
mais emblemáticas da história Portuguesa. O difícil é quebrar o laço
desesperado que une todos os Portugueses, dia após dia. A reação de Pedro
Passos Coelho ao ouvir o cântico dos presentes nas galerias foi previsível. O
que havia para dizer? Como reage um primeiro ministro quando as pessoas que
representam o verdadeiro povo o interrompem, entoando “Grândola Vila Morena”?
Nós, Portugueses, somos assim. E ainda bem que o somos. Sabemos que a violência
nada resolve e temos a prova disso aquando da Revolução de Abril.
Não vivi nessa
altura. Não posso opinar acerca da necessidade de se realizar outra, ou não. No
entanto, sei que há dívidas para pagar. Sei que os cofres portugueses definham.
Ouço Pedro Passos Coelho a pedir esforços e sacrifícios. Vejo a população a
corresponder a esses pedidos. No entanto, sinto à minha volta um enorme
desespero. Sinto que as pessoas abdicam das suas próprias coisas por Portugal e
pelo amor que lhe têm, sem verem o seu esforço ser recompensado. Estas
manifestações são a prova disso mesmo. As pessoas que entoam o cântico têm
espelhado nas suas faces a expressão de frustração, de uma certa humilhação, de
cansaço, mas sobretudo da tristeza, características previsíveis de um povo que
vive como vive. Irrita-me que haja pessoas que digam: “Deviam ter vivido no meu
tempo para ver o que era uma crise.” Irrita-me esta mania portuguesa do “o meu
é muito pior” ou o “eu passei por coisas
muito piores”. Enquanto estas coisinhas deploráveis não acabarem, é óbvio que
nada acontece. Irrita-me igualmente a demissão de certas pessoas, a aceitação
do que está mal, mas o pensamento de que nada se pode fazer para uma alteração.
Irrita-me o tão português “deixa andar” e a falta de interesse pelos assuntos
de Portugal e pela cultura em geral. Em vez de conversas paralelas, devíamos
dar asas à criatividade e à imaginação... Devíamos pôr de parte os nossos
maiores defeitos enquanto povo e aproveitar ao máximo cada uma das nossas
qualidades. Raciocinar e desenvolver as nossas capacidades para que aquilo que
mais desejamos se torne realidade: um Portugal melhor, onde usufruamos de
melhores condições de vida, atrativas às gerações vindouras que, infelizmente,
cada vez mais , abandonam Portugal.
Porque não
acabar com os “diz que disse”, com a mania do “o que eu passei é pior” e com as
“ conversas de vizinhas”? As manifestações
recentes onde se entoam “Grândola Vila Morena” são manifestações inteligentes.
Muito inteligentes. Uma manifestação que não pode ser repudiada e que é
dificilmente quebrada é muito poderosa e muito perigosa para os governantes.
Podem dizer
que é sonho de adolescente ver todo um povo unido por Portugal. Podem dizer que
sonhos há muitos e que tenho de aprender a lidar com a não concretização de
alguns. Eu respondo com factos históricos: 25 de Abril de 1974. E finalizo com
uma certeza minha: a força mais poderosa do mundo é, sem dúvida, a força da
palavra.
Laura
Antunes
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