segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Força da Palavra

Temos assistido recentemente à proliferação de cada vez mais manifestações, onde grupos de pessoas entoam o nosso tão português “ Grândola Vila Morena”. Gosto quando as classificam como “perigosas”, porque o são, no seu sentido mais literal.


Ligamos a televisão à hora do telejornal e observamos guerras e violência em determinados países. Ocorre-me agora o caso da Grécia. As faces descontroladas da população lutando contra o governo, contra as medidas de austeridade e apelando aos seus direitos. Invadiram lojas, supermercados, roubaram, destruíram... Enfim. Observámos um episódio do género em Portugal, há relativamente pouco tempo, em frente à Assembleia da República, onde foram atiradas pedras da calçada à força policial. O povo português ficou chocado. Uns reprimiam por completo esta ação dos manifestantes, outros compreendiam o desespero, mas igualmente criticavam a violência utilizada. Somos um povo reconhecedor do direito ao manifesto, mas (quase) todos os Portugueses têm uma qualidade que nos distingue de todos os outros povos: falamos alto, reclamamos por tudo e por nada, mas somos muito sensíveis à violência. Repudiamo-la e indignamo-nos com ela. Prova disso foi a sensibilidade criada acerca do caso de uma jovem que abraçou o polícia numa das manifestações ocorridas também recentemente. Esta nossa qualidade talvez tenha nascido há quase 39 anos atrás, quando passou na rádio “Grândola Vila Morena”.
É fácil dispersar um aglomerado populacional que destrói uma cidade. É fácil deitar abaixo cartazes com palavras revolucionárias. É fácil calar vozes insultuosas. Tudo isso é fácil. O difícil é calar um povo unido, que entoa uma das canções mais emblemáticas da história Portuguesa. O difícil é quebrar o laço desesperado que une todos os Portugueses, dia após dia. A reação de Pedro Passos Coelho ao ouvir o cântico dos presentes nas galerias foi previsível. O que havia para dizer? Como reage um primeiro ministro quando as pessoas que representam o verdadeiro povo o interrompem, entoando “Grândola Vila Morena”? Nós, Portugueses, somos assim. E ainda bem que o somos. Sabemos que a violência nada resolve e temos a prova disso aquando da Revolução de Abril.
Não vivi nessa altura. Não posso opinar acerca da necessidade de se realizar outra, ou não. No entanto, sei que há dívidas para pagar. Sei que os cofres portugueses definham. Ouço Pedro Passos Coelho a pedir esforços e sacrifícios. Vejo a população a corresponder a esses pedidos. No entanto, sinto à minha volta um enorme desespero. Sinto que as pessoas abdicam das suas próprias coisas por Portugal e pelo amor que lhe têm, sem verem o seu esforço ser recompensado. Estas manifestações são a prova disso mesmo. As pessoas que entoam o cântico têm espelhado nas suas faces a expressão de frustração, de uma certa humilhação, de cansaço, mas sobretudo da tristeza, características previsíveis de um povo que vive como vive. Irrita-me que haja pessoas que digam: “Deviam ter vivido no meu tempo para ver o que era uma crise.” Irrita-me esta mania portuguesa do “o meu é muito pior” ou o  “eu passei por coisas muito piores”. Enquanto estas coisinhas deploráveis não acabarem, é óbvio que nada acontece. Irrita-me igualmente a demissão de certas pessoas, a aceitação do que está mal, mas o pensamento de que nada se pode fazer para uma alteração. Irrita-me o tão português “deixa andar” e a falta de interesse pelos assuntos de Portugal e pela cultura em geral. Em vez de conversas paralelas, devíamos dar asas à criatividade e à imaginação... Devíamos pôr de parte os nossos maiores defeitos enquanto povo e aproveitar ao máximo cada uma das nossas qualidades. Raciocinar e desenvolver as nossas capacidades para que aquilo que mais desejamos se torne realidade: um Portugal melhor, onde usufruamos de melhores condições de vida, atrativas às gerações vindouras que, infelizmente, cada vez mais , abandonam Portugal.
Porque não acabar com os “diz que disse”, com a mania do “o que eu passei é pior” e com as “ conversas de vizinhas”?  As manifestações recentes onde se entoam “Grândola Vila Morena” são manifestações inteligentes. Muito inteligentes. Uma manifestação que não pode ser repudiada e que é dificilmente quebrada é muito poderosa e muito perigosa para os governantes.
Podem dizer que é sonho de adolescente ver todo um povo unido por Portugal. Podem dizer que sonhos há muitos e que tenho de aprender a lidar com a não concretização de alguns. Eu respondo com factos históricos: 25 de Abril de 1974. E finalizo com uma certeza minha: a força mais poderosa do mundo é, sem dúvida, a força da palavra.
Laura Antunes

Nenhum comentário:

Postar um comentário